Assim dizia o poeta Bertold Brecht: “Confesso: não tenho nenhuma esperança. Os cegos falam de uma saída. Eu, porém, vejo. Quando os erros já foram usados e abusados, senta-se à nossa frente, para nos fazer companhia, o Nada”. Neste trecho Brecht acentua um modo de viver diferente, no entanto, pouco recente: o niilismo. Sua origem data dos primórdios da filosofia, com Górgias. Mas foi mais recentemente matéria de estudo da filosofia como um todo.
O niilismo parte de uma concepção metafísica para uma visão moral. Essa trajetória é dada de dois modos: ativo ou passivo. No primeiro há a transposição do ser para a vida moral. No segundo, é uma negação do ser. Faz parte da corrente moderna cética, mas não se preocupa tanto epistemicamente, somente na ideia de conhecimento das coisas metafísicas, o que jamais pode ser confundido com epistemologia. Vamos falar do niilismo metafísico-moral.
O filósofo que mais se ocupou com o tema foi Nietzsche, depois dele, Heidegger. No aforismo 125 de Gaia Ciência, livro de Nietzsche está resumida toda a fundação do niilismo, escrito assim:
Não ouviram falar daquele homem louco que em plena manhã acendeu uma lanterna e correu ao mercado, e pôs-se a gritar incessantemente: “Procuro Deus! Procuro Deus?” – E como lá se encontrassem muitos daqueles que não criam em Deus, ele despertou com isso uma grande gargalhada. Então está perdido? Perguntou um deles. Ele se perdeu como uma criança? Disse outro. Está se escondendo? Embarcou em um navio? Emigrou? – gritavam e riam uns para os outros. O homem louco se lançou para o meio deles e trespassou-os com um olhar. “Para onde foi Deus?”, gritou ele, “já lhes direi! Nós o matamos – vocês e eu. Somos todos assassinos! (...) Não sentimos cheiro de putrefação divina? – também os deuses apodrecem! Deus está morto! Deus continua morto! Como nos consolar, a nós, assassinos entre os assassinos? (NIETZSCHE, p. 147)
De modo algum podemos confundir essa concepção com o ateísmo. Não cabe dizer a inexistência de Deus, uma vez que a preocupação do niilismo é a morte de Deus. Portanto, seria melhor falar assim: Deus existiu, hoje está morto. O problema é que a vida continua, como sempre continuou. A nossa sociedade é extremamente niilista. O viveu na pele nos últimos decênios. Jamais seremos ateus, mas seremos sempre niilistas. O que falta para este passo? É descobrir o mesmo que o homem louco descobriu, que deus está morto. Basta-nos!
Perdemo-nos na cotidianidade, no eterno devir do tempo. Não nos encontramos e quando nos deparamos com a morte é então que a vida ganha sentido. Nisto reside o niilismo, não uma total perde de sentido, mas que o sentido da vida é o nada – ou a morte. Consolando-nos num futuro não muito distante, mas ainda inefável, está a morte a nossa espreita. Em cada passo ela nos cerceia e em cada dia que saímos de nosso conforto, ela nos aparece. Acontece que a morte não é algo bom, embora seja inevitável.
Uma vez deparada com essa visão, a vida ganha algum sentido. Como saberei que estarei vivo daqui a quinze anos ou mesmo amanhã? É impossível sabermos disso. Se por algum acaso acreditarmos que deus o faria, não nos prova nada se amanha novamente nos acordarmos, porque a morte ainda está-aí. É inescapável. A cada passo que caminhamos na morte, nos surge a angustia de não estarmos no lugar certo – faz jus à origem do termo “angustia”.
Inconsolados com a morte, somos obrigados a viver! Que vida cruel seria aquela que esperasse no amanhã uma morte sadia! Então vivemos uma eterna moral, sem augures, sem esperanças. Essa moral é eterna não em si mesma, mas porque depende das coisas, da evolução do ser para o nada, do certo para o bom, da mudança de valor. Portanto, vamos viver uma morte sadia hoje! Tudo é vazio de sentido, é um nada que nos desconsola, que nos leva a putrefação. Deus não estaria morto se nós não fomos cadáveres errantes, sem esperança de futuro, sem sentido para a vida, sem possibilidade de crenças. O niilismo é um nada, se anula, e nadifica. O nada se nadifica porque no dia-a-dia quem nos consola é a morte.
Por Renato Amaro (Bacharel em Filosofia pela Faculdade São Luiz, Brusque-SC)
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